O termo "narcisismo" possui a sua origem na mitologia grega. Na versão mais conhecida da história (presente em Metamorfoses de Ovídio) a personagem Narciso, jovem de grande beleza, era tão apaixonado por si mesmo, que rejeitou todos os pretendentes incluindo a ninfa Eco que acabou por morrer de desgosto. Como castigo Nemesis, deusa da retribuição e da justiça divina, condenou-o a apaixonar-se por algo que não poderia possuir, a sua imagem refletida num lago. Incapaz de deixar de contemplar a sua própria imagem acabou por definhar e morrer. Após a sua morte surgiu no local uma flor, o narciso. Este mito inspirou o conceito de narcisismo como um estilo de personalidade maladaptativo que se encontra associado a um conjunto de padrões de comportamento estáveis, persistentes e pervasivos, com consequências no funcionamento social e profissional do indivíduo. Quando o narcisismo é diagnosticado clinicamente utiliza-se a designação de Perturbação de Personalidade Narcisista (PPN).
A Perturbação de Personalidade Narcisista, presente em até 6,2% da população, caracteriza-se por grandiosidade, necessidade de admiração e falta de empatia (DSM-5), conduzindo a relações interpessoais superficiais e disfuncionais. Este distúrbio envolve uma autoestima frágil e instável que conduz o narcisista a desenvolver mecanismos de defesa rígidos para regular a mesma. Estas estratégias envolvem por exemplo a idealização de si próprio, a necessidade de constante validação externa, a incapacidade de lidar com críticas, a desvalorização dos outros e a instrumentalização dos que o rodeiam. A perturbação é por isso uma forma de existir no mundo marcada pela dependência extrema da validação externa, pela incapacidade de reconhecer ou respeitar os limites alheios, e pela abordagem de manipular e explorar os outros em função das próprias necessidades. As suas relações são transacionais e pautadas pela superficialidade. A PPN pode contudo apresentar diferentes expressões clínicas e comportamentais, nomeadamente através do clássico narcisismo grandioso (overt), do narcisismo vulnerável (covert), do narcisismo comunal e do narcisismo maligno, sendo por isso frequentemente difícil de identificar.
Este distúrbio é uma das condições psicológicas mais intrigantes e, ao mesmo tempo, mais devastadoras para quem convive de perto com ela. Ao contrário da perceção comum, que reduz o narcisismo a vaidade ou egocentrismo, a PPN representa um padrão profundo de funcionamento psicológico, enraizado em dinâmicas emocionais e relacionais que afetam tanto o indivíduo quanto o seu ambiente. Esta condição não surge isoladamente: desenvolve-se a partir de uma combinação de predisposição genética, experiências precoces e fatores ambientais, formando uma estrutura de personalidade rígida que molda a forma como o indivíduo pensa, sente e se relaciona. Para compreender a PPN, é necessário mergulhar não apenas nos sintomas ou nos critérios de diagnóstico, mas também na sua dimensão cultural, social e relacional.
O presente website nasce precisamente da necessidade de desfazer mitos, esclarecer conceitos e oferecer ferramentas de compreensão e defesa às vítimas, familiares, profissionais e a todos os que procuram compreender a complexidade deste fenómeno.
O termo "narcisista" tem vindo a ser banalizado no discurso popular. Muitas vezes é usado de forma indiscriminada para descrever pessoas vaidosas, arrogantes ou obcecadas com a sua imagem, sobretudo no contexto das redes sociais. Celebridades, influenciadores digitais ou figuras públicas com comportamentos egocêntricos são frequentemente rotuladas como narcisistas, reduzindo o conceito a uma caricatura superficial.
Contudo, esta visão simplista obscurece a realidade clínica. Uma pessoa arrogante pode ser apenas presunçosa ou privilegiada, sem que isso configure uma perturbação de personalidade. O narcisismo é mais complexo, profundo e insidioso, envolvendo uma insegurança oculta. Este distúrbio encontra-se associado não apenas a sentimentos de superioridade, mas também, para sustentar a sua autoestima frágil, à necessidade compulsiva de atacar, controlar e desvalorizar os outros, de forma aberta ou velada, recorrendo a diversas estratégias como a humilhação, crítica, manipulação e ofensa. A arrogância ocasional não equivale à crueldade calculada que caracteriza a PPN.
Deste modo, a banalização na utilização do termo narcisismo reduz a percepção pública para a real gravidade das consequências que afligem os que convivem com o narcisista. Desde os efeitos psicológicos e emocionais a nível pessoal, passando para consequências financeiras, familiares e profissionais, é amplo o impacto destrutivo que a patologia tem sobre os envolvidos. Em suma, a banalização da utilização do termo narcisismo conduz à confusão da população em geral sobre o seu verdadeiro significado e impacto, e à descredibilização das experiências vividas pelas vítimas, que em diferentes contextos (profissional, familiar ou pessoal) lidam com relacionamentos abusivos. Por fim, importa reforçar que nem todos os indivíduos arrogantes, vaidosos e egocêntricos são narcisistas, e que nem todos os narcisistas apresentam características visíveis de grandiosidade e falta de empatia.
A cultura popular, ao simplificar o conceito, cria ainda uma espécie de máscara social coletiva para o narcisismo, normalizando comportamentos abusivos como se fossem traços de personalidade inofensivos. Isto torna mais difícil identificar verdadeiros narcisistas, especialmente aqueles que não exibem grandiosidade óbvia, como é o caso do narcisista vulnerável ou comunal. A tarefa em mãos será divulgar informação fidedigna sobre esta patologia, promovendo a separação entre o uso coloquial do termo e a definição clínica. Deste modo, será mais fácil compreendermos o impacto real, mesmo que por vezes invisível, do narcisismo patológico.
Talvez a característica mais marcante de um indivíduo com PPN seja a sua capacidade de criar e sustentar uma máscara social aparentemente normal, ou mesmo, perfeita. O narcisista é muitas vezes alguém altamente funcional e até admirado em contextos públicos. Ele domina a arte de encantar e convencer, projetando uma imagem cuidadosamente construída que lhe permite conquistar admiração, confiança e estatuto social. Na esfera pública, pode apresentar-se como alguém elegante, charmoso, confiante, carismático, generoso, espirituoso ou até altruísta. É o vizinho prestável que ajuda em pequenas tarefas, o colega de trabalho que aparenta ser confiável, o amigo que se mostra sempre disponível para ouvir ou o parceiro que, em público, exibe gestos de carinho e dedicação.
Esta face idealizada não surge por acaso: é fruto de um investimento contínuo e intencional. Para o narcisista, a aprovação externa é tão vital como oxigénio, e a máscara social funciona como escudo contra um vazio interno, a insegurança e uma vulnerabilidade intolerável. A confiança e o carisma exibidos não são apenas traços de personalidade, mas ferramentas de manipulação que servem para ocultar inseguranças profundas. Com o objetivo de obter a atenção que tanto anseiam, estes indivíduos instrumentalizam os outros com o objetivo de manter a sua autoimagem idealizada. Esta duplicidade gera um paradoxo cruel: quanto mais convincente for a máscara, mais difícil se torna acreditar na existência de abuso.
No espaço privado, longe das testemunhas externas, a realidade é radicalmente diferente. É aqui que se revelam críticas constantes, frieza emocional, desvalorização, explosões de raiva, manipulação, mentiras, infidelidade e comportamentos abusivos que contrastam violentamente com a persona pública. Em privado reagem agressivamente quando perante críticas, frustrações ou simplesmente quando não obtêm a admiração que desejam. A vítima vive num campo de batalha psicológico, dilacerada entre a imagem encantadora que todos observam e a realidade dolorosa que apenas ela conhece. Explicar esta discrepância a terceiros é quase impossível sem soar incoerente ou exagerado. Este fosso entre as duas realidades conduz a um estado de confusão e isolamento, uma vez que ao tentar explicar a terceiros o abuso vivido, a vítima é frequentemente recebida com incredulidade: "mas ele(a) parece tão boa pessoa". Esta dualidade cria um paradoxo arrasador para a vítima, que se vê dividida entre a imagem pública encantadora e a experiência privada dolorosa.
A metáfora de Dr. Jekyll e Mr. Hyde, de Robert Louis Stevenson, é frequentemente evocada para ilustrar esta duplicidade. Assim como a personagem que alterna entre a respeitabilidade e a monstruosidade, o narcisista transita entre o charme público e a crueldade privada. Esta oscilação constante fragiliza a vítima, que começa a duvidar da sua própria perceção, sentindo-se presa a um ciclo de esperança e desilusão. O narcisista pode até usar esta discrepância a seu favor, acusando a vítima de histeria ou exagero, reforçando ainda mais a sensação de isolamento.
Em particular, as relações intimas com narcisistas são marcadas por ciclos que alternam fases de idealização, desvalorização, descarte e, frequentemente, tentativas de reconquista (hoovering). Este ciclo não é acidental: trata-se de uma estratégia emocional que prende a vítima numa teia de esperança, medo e dependência.
Na fase inicial, a vítima é colocada num pedestal. O narcisista exibe uma intensidade de afeto avassaladora: elogios constantes, promessas de futuro, dedicação total, gestos românticos grandiosos. Muitas vítimas descrevem este período como "a fase mais intensa da sua vida", uma experiência quase hipnótica que cria uma ligação emocional imediata. Este fenómeno é conhecido como "love bombing" e é deliberadamente usado para criar uma sensação de destino partilhado ou de alma gémea.
Contudo, esta fase não é sustentável. Progressivamente, surgem críticas subtis, comentários depreciativos mascarados de humor, sarcasmo e comparações humilhantes. O carinho transforma-se em indiferença ou abuso aberto. A vítima, desorientada, esforça-se por voltar à fase inicial, acreditando que se se comportar de determinada forma poderá recuperar o amor perdido. Neste momento, o narcisista pode alternar novamente para demonstrações súbitas de afeto, reativando a esperança e confundindo ainda mais a perceção da vítima.
Este padrão corresponde ao que B.F. Skinner estudou no contexto do reforço intermitente. Tal como nos jogos de azar, em que pequenas recompensas aleatórias mantêm o jogador preso apesar das perdas constantes, também na relação com um narcisista a imprevisibilidade do afeto mantém a vítima ligada, mesmo quando a experiência global é esmagadoramente negativa. O resultado é o "trauma bonding", uma ligação traumática em que a vítima se sente incapaz de abandonar o agressor porque os raros momentos de ternura parecem provar que o verdadeiro amor ainda existe.
A vítima acaba por viver num estado de hipervigilância, sempre atenta a sinais mínimos de aprovação ou rejeição, ajustando constantemente o seu comportamento para evitar punições emocionais. Este processo condiciona a sua autoestima e autonomia, transformando-a num reflexo das necessidades do narcisista. A oscilação entre dor e prazer emocional gera uma dependência comparável a um vício, tornando a saída da relação um desafio.
Um dos aspetos mais insidiosos da dinâmica narcísica reside no papel dos facilitadores (enablers) e dos cúmplices involuntários (flying monkeys). O narcisista raramente atua de forma isolada. Para sustentar a sua máscara social e manter o controlo sobre as vítimas, recorre frequentemente a terceiros que, de forma consciente ou não, reforçam o seu poder. Estes aliados funcionam como extensões do próprio abuso, servindo para legitimar narrativas falsas, descredibilizar a vítima e perpetuar o ciclo de manipulação.
Os enablers podem ser pessoas próximas do narcisista que, mesmo reconhecendo comportamentos abusivos, escolhem ignorá-los por conveniência, medo ou benefício próprio. Podem ser familiares que relativizam ou justificam os excessos ("ele é assim, mas no fundo tem bom coração"), colegas de trabalho que evitam confrontar para não se tornarem os próximos alvos, ou amigos que preferem manter a harmonia aparente em vez de enfrentar a realidade. A passividade dos enablers não é neutra: ao não intervir, confirmam ao narcisista que o seu comportamento é tolerado, ao mesmo tempo que invalidam a experiência da vítima.
Já os flying monkeys são frequentemente manipulados de forma mais ativa. A expressão, inspirada na obra "O Feiticeiro de Oz", descreve aquelas figuras que, tal como os macacos voadores da bruxa má (Wicked Witch of the West), executam as ordens do narcisista. Podem ser colegas, amigos, ou familiares que acreditam plenamente na versão distorcida do narcisista e passam a agir como mensageiros, espiões ou agentes de difamação. Muitas vezes, nem sequer se apercebem de que estão a ser instrumentalizados, acreditando que estão a ajudar ou a defender alguém injustiçado.
O impacto destes aliados é avassalador. A vítima, já fragilizada pelo abuso direto, encontra-se cercada por uma rede social que a invalida, desacredita e, em alguns casos, a ostraciza. O isolamento é intensificado porque o narcisista consegue criar a ilusão de consenso social: "se todos acreditam nele, o problema devo ser eu". Esta sensação de solidão extrema agrava o trauma e dificulta a saída da relação abusiva.
É importante sublinhar que nem todos os enablers ou flying monkeys agem de má-fé. Muitos são vítimas do próprio carisma do narcisista e da sua habilidade em construir narrativas convincentes. No entanto, a sua participação, ainda que involuntária, contribui para a perpetuação do abuso. É por isso crucial educar não apenas as vítimas diretas, mas também as redes sociais mais próximas, para que aprendam a reconhecer padrões de manipulação e a não reforçarem comportamentos nocivos.
Na ausência desta consciência, o narcisista mantém intacto o seu palco social, apresentando-se como líder, cuidador ou vítima injustiçada, enquanto a verdadeira vítima é empurrada para a invisibilidade. Romper este círculo exige coragem, informação e, muitas vezes, o apoio de profissionais que ajudem tanto a vítima a reconstruir-se como a comunidade a abrir os olhos para a realidade.
A Perturbação de Personalidade Narcisista não é uniforme apresentando diferentes expressões clínicas e comportamentais. O modelo clássico é o narcisismo grandioso (overt), associado a charme, confiança e carisma, visível na esfera pública. Estes indivíduos parecem líderes naturais, dominantes e sedutores, mas no espaço privado revelam agressividade, manipulação e instabilidade.
No extremo oposto encontra-se o narcisismo vulnerável (covert). Aqui, a grandiosidade não é exibida de forma aberta, mas vive-se internamente como uma convicção silenciosa de se ser especial e incompreendido. O narcisista vulnerável tende a ser reservado, passivo-agressivo, ressentido, tímido e hipersensível à crítica. Em vez de dominar pelo brilho social, manipula através da vitimização e do apelo à compaixão. Muitas vítimas passam anos sem reconhecer o abuso, porque o comportamento se confunde com fragilidade ou insegurança.
Outra variante é o narcisismo comunal, em que a grandiosidade se manifesta através da suposta bondade. Estes indivíduos envolvem-se em causas altruístas ou espirituais, como voluntariado, ativismo ou religião, não por genuína empatia, mas para obter admiração e validação. São vistos como heróis altruístas, mas utilizam as suas ações para manipular emocionalmente os outros e manter a perceção de superioridade moral.
Por fim, o narcisismo maligno representa a expressão mais perigosa, combinando traços narcisistas com sadismo e comportamentos antissociais. Aqui, a grandiosidade alia-se a um prazer ativo na dor alheia, resultando em violência explícita que pode assumir contornos criminais.
Esta diversidade torna a identificação da PPN particularmente difícil. Muitos narcisistas passam despercebidos precisamente porque a sua máscara se adapta ao contexto cultural e social em que vivem. Enquanto uns brilham no palco público, outros escondem-se atrás de aparente fragilidade ou altruísmo. Reconhecer estas múltiplas faces é essencial para compreender que o narcisismo patológico não é uma caricatura única, mas uma rede complexa de estratégias que têm sempre o mesmo objetivo: assegurar poder, admiração e controlo, independentemente da forma escolhida para o alcançar.
A Perturbação de Personalidade Narcisista (PPN) pode afetar até 6,2% da população geral. Se cada indivíduo com PPN afetar de forma significativa cinco, dez ou mais pessoas em seu redor, o impacto indireto torna-se exponencial. Na prática, trata-se de um fenómeno que se repercute não apenas na saúde psicológica dos próprios portadores, mas também na estabilidade emocional e funcional de famílias inteiras, equipas de trabalho e comunidades.
A PPN integra o Cluster B das perturbações de personalidade, ao lado da perturbação borderline, histriónica e antissocial. Todas partilham características comuns, como a impulsividade, a instabilidade emocional, os comportamentos manipulativos e a dificuldade em estabelecer relações saudáveis e duradouras. Contudo, a PPN distingue-se pela busca incessante de validação externa e pela necessidade de superioridade, o que frequentemente o torna particularmente corrosivo para as dinâmicas sociais.
O impacto da PPN não se limita ao sofrimento emocional do parceiro íntimo. Parceiros, filhos, irmãos, colegas de trabalho e amigos são frequentemente apanhados na teia de manipulação e abuso. Filhos de narcisistas crescem em ambientes marcados por instabilidade, amor condicional e frequente desvalorização, internalizando mensagens de inadequação que moldam a sua identidade. Irmãos, por sua vez, podem ser envolvidos em triangulações, usados como instrumentos de comparação ou como aliados do narcisista. No local de trabalho, o narcisista pode projetar uma imagem de competência e liderança enquanto manipula, sabota colegas ou promove climas de tensão e desconfiança.
As estratégias de manipulação social, como o assassinato de carácter ou o gaslighting coletivo, permitem ao narcisista inverter narrativas e apresentar-se como vítima. Este mecanismo isola ainda mais a verdadeira vítima, que se vê privada de apoio social e frequentemente desacreditada. Esta inversão de papéis é particularmente destrutiva porque, além de fragilizar emocionalmente a vítima, impede que redes de apoio externas intervenham de forma eficaz.
Adicionalmente ao sofrimento humano, a PPN gera custos sociais e económicos imensuráveis. No mundo laboral, a sabotagem (frequentemente dissimulada) de colegas reduz a produtividade, aumenta o absentismo e origina ambientes tóxicos que minam o espírito de equipa. Estudos sugerem que organizações com líderes narcisistas apresentam maior rotatividade de pessoal e maiores índices de burnout entre trabalhadores. A nível familiar, os impactos são igualmente profundos: filhos de narcisistas, por exemplo, apresentam maior risco de desenvolver perturbações de ansiedade, depressão e, em alguns casos, reproduzir padrões abusivos nas suas próprias relações adultas, perpetuando ciclos intergeracionais de trauma.
O efeito cascata da PPN transforma-a, portanto, não apenas num problema clínico individual, mas também numa questão de saúde pública e social. Reconhecer esta dimensão alargada é fundamental para que se promovam estratégias de sensibilização, educação emocional e intervenção terapêutica, não apenas com os indivíduos afetados, mas também com as redes que os rodeiam.
Estima-se que a Perturbação de Personalidade Narcisista (PPN) afete aproximadamente até 6,2% da população, variando consoante a metodologia e as amostras analisadas, sendo considerada a perturbação de personalidade mais prevalente dentro do cluster B. O impacto clínico e social desta condição é amplificado pela natureza insidiosa dos seus padrões relacionais, frequentemente de difícil deteção devido à capacidade do indivíduo em ocultar a sua faceta abusiva sob uma máscara social cuidadosamente construída. Tal característica contribui para a subvalorização e o atraso no reconhecimento do problema, inclusive por parte de observadores atentos. Neste sentido, a divulgação científica e o aumento da literacia pública sobre a PPN assumem relevância fundamental, pois permitem identificar sinais precoces, fomentar mecanismos de proteção, apoiar as vítimas e promover relações interpessoais mais saudáveis, alicerçadas na empatia, na transparência e no respeito mútuo.
Adicionalmente à analogia literária ao Dr. Jekyll e Mr. Hyde presente em "Home", este website encontra-se organizado em diversas secções que visam proporcionar uma compreensão aprofundada da Perturbação de Personalidade Narcisista (PPN), articulando teoria, investigação empírica e exemplos ilustrativos. A "Introdução" apresenta alguns fundamentos conceptuais da PPN, como a dualidade narcisista, ciclo de abuso e reforço intermitente, descrevendo a sua prevalência e impacto social. Segue-se a secção de "Etiologia", onde se examinam as origens e os fatores de risco associados, incluindo predisposições genéticas, padrões de vinculação precoce, e experiências de trauma. A secção de "Diagnóstico" introduz conceitos como traço de personalidade, personalidade e perturbação de personalidade, discutindo os critérios formais presentes no DSM-5-TR. Na área dos "Tipos de Narcisismo", são diferenciadas as principais variantes descritas na literatura, em particular, as formas grandiosa, vulnerável, comunal e maligna, sublinhando as suas expressões clínicas distintas.
Em "Comportamentos e Dinâmicas Narcisistas", o foco recai sobre os padrões interpessoais característicos, como manipulação, DARVO, gaslighting, idealização e desvalorização, e sobre os mecanismos de controlo e exploração interpessoal. A secção "Impacto nas Vítimas" sistematiza as repercussões psicológicas, relacionais e até somáticas da exposição prolongada a dinâmicas narcisistas, incluindo sintomas ansiosos, depressivos e pós-traumáticos, bem como perda da autoestima, isolamento social e delapidação financeira. Já em "Estratégias de Defesa", são apresentadas orientações práticas, baseadas em literatura clínica e psicoeducativa, com vista ao reforço da resiliência e à mitigação de danos em contextos abusivos. A área de "Casos Práticos" complementa o enquadramento da patologia com vinhetas narrativas que exemplificam situações, facilitando a compreensão da aplicação dos conceitos discutidos.
Para além do conteúdo escrito, o site oferece uma secção de Podcasts, em formato áudio (português) e vídeo (inglês), que segue de perto a estrutura e os conteúdos das diferentes áreas temáticas. Cada episódio funciona por isso como um recurso pedagógico paralelo e complementar, concebido para favorecer a aprendizagem autónoma em diferentes formatos. Na secção "Multimédia" são disponibilizados conteúdos externos (YouTube) de carácter educativo. Estas plataformas permitem uma extensão do projeto a públicos mais vastos e diversificados, consolidando a vertente de disseminação do conhecimento.
O presente website https://www.narcisismo.eu é por isso mais do que um repositório de informação. É um espaço de esclarecimento, validação e apoio. Procura oferecer uma visão abrangente da PPN, desde as suas origens genéticas e ambientais até às suas múltiplas formas de expressão, passando pelos comportamentos típicos, as estratégias de manipulação e o impacto demolidor sobre as vítimas. Deste modo, o objectivo deste espaço é duplo. Por um lado, educar disponibilizando conhecimento rigoroso e acessível, desmistificando ideias erradas e esclarecendo conceitos. Por outro lado, apoiar e validar a experiência das vítimas, oferecendo estratégias de coping e fornecendo recursos que permitam iniciar ou consolidar um processo de recuperação. Ao longo deste website, o leitor encontrará não apenas explicações teóricas, mas também casos de estudo, analogias ilustrativas e ferramentas práticas. A informação é o primeiro passo para identificar sinais de alerta, mas também proteger-se, apoiar vítimas e promover relações mais saudáveis, baseadas na empatia, transparência e respeito mútuo.
Diana é uma mulher de 42 anos, muito elogiada na sua comunidade pelo seu envolvimento em ações de voluntariado, campanhas de apoio a refugiados e defesa dos direitos dos animais. Sempre sorridente, carismática e eloquente, conquista facilmente a simpatia de todos à sua volta. Tem um discurso articulado, centrado em ideais de justiça, inclusividade, igualdade e empatia, e costuma publicar regularmente nas redes sociais fotografias das suas ações solidárias, acompanhadas de reflexões sobre bondade, compaixão e humanidade.
No entanto, em contexto privado, Diana apresenta um comportamento radicalmente distinto. O seu marido, Duarte, de 44 anos, descreve-a como emocionalmente volátil, manipuladora e cruel. Segundo ele, as ações de Diana são motivadas não por genuína empatia, mas por uma necessidade constante de validação e admiração externa. A sua dedicação a causas sociais intensifica-se em períodos de tensão familiar, funcionando como forma de desviar a atenção dos conflitos domésticos e alimentar a imagem de heroína pública.
Diana raramente demonstra afeto pelos filhos, a não ser em contextos sociais onde possa ser observada por terceiros. No dia a dia, é fria, crítica e muitas vezes humilhante. Exige perfeição dos filhos (inclusive em tarefas escolares e atividades extracurriculares), e reage com desdém ou ironia se algo não corre como esperado. Chamadas de atenção são acompanhadas de frases como: "Se não sabes fazer melhor, não mereces o que te dou" ou "Olha bem para ti antes de me desiludires outra vez".
Adicionalmente, Diana mente com frequência. Mente sobre coisas pequenas (e.g. onde esteve ou com quem almoçou), e sobre aspetos mais relevantes da vida conjugal. Quando confrontada, responde com raiva, nega os factos com firmeza ou desvia a conversa para culpar Duarte, acusando-o de ciúmes doentios ou de controlo obsessivo. Usa mentiras para manipular perceções dos outros, para manter Duarte numa posição de dúvida e para preservar o seu domínio emocional sobre a família. As suas distorções da verdade são sistemáticas e habilmente encenadas.
No dia a dia Diana mantém uma postura sedutora e envolvente, especialmente com colegas do sexo oposto. Usa o flirt subtil como forma de obter favores, reforçar a sua autoestima e garantir atenção constante. Vários episódios geraram desconforto em Duarte, sobretudo porque Diana evita falar sobre essas interações e demonstra comportamentos de ocultação (e.g. esconder o ecrã do telemóvel, apagar mensagens e manter códigos de acesso em segredo). Quando questionada sobre isso, reage com indignação: "É absurdo desconfiares de mim, estás a querer controlar-me".
Diana apresenta também comportamentos típicos de gaslighting: nega factos evidentes, distorce situações, e faz Duarte duvidar da própria memória ou sanidade. Frases como "isso nunca aconteceu" ou "estás a imaginar coisas outra vez" são recorrentes. Em discussões mais acesas, recorre à estratégia DARVO (Defender, Atacar, Reverter a Vítima e Agressor ("Offender")) acusando Duarte de ser controlador, de a limitar e de não respeitar o seu altruísmo e independência. É hipersensível a qualquer tipo de critica construtiva reagindo invariavelmente com projeção e raiva. Recorrentemente desvaloriza e humilha o Duarte. Em várias ocasiões, Duarte tentou falar sobre divórcio, mas foi desvalorizado ou ameaçado emocionalmente com frases como: "Se me deixares, ninguém mais vai amar-te" ou "Vais destruir esta família por egoísmo".
Com o passar dos anos, Duarte desenvolveu sintomas de ansiedade, insónia e dificuldade de concentração no trabalho. Os filhos oscilam entre a busca desesperada pela aprovação da mãe e sentimentos de culpa e rejeição. Um deles, adolescente, foi entretanto diagnosticado com depressão moderada.
No ambiente profissional, Diana exerce um cargo de liderança numa organização governamental. Apesar da sua imagem pública como dirigente humanista e inspiradora, internamente cultiva um ambiente tóxico, marcado por favoritismos e manipulação. Tem um grupo restrito de colaboradores que protege e enaltece (geralmente aqueles que a admiram ou que podem servir os seus objetivos de imagem pública), enquanto ignora ou sabota sistematicamente outros membros da equipa. Recusa-se a reconhecer o mérito do trabalho alheio, frequentemente apropriando-se de ideias como se fossem suas, e oculta informação crítica, prejudicando a eficácia coletiva. Pratica microgestão, corrige minúcias em público e humilha discretamente quem considera desalinhado. Espalha rumores para enfraquecer colegas que questionam decisões, e tende a isolar ou difamar qualquer trabalhador que represente ameaça ou que a confronte diretamente. Com o tempo, formam-se dois grupos bem distintos: os que a vêm como uma líder exemplar e altruísta (geralmente em cargos de destaque ou dependentes do seu reconhecimento) e os que enfrentam a sua instabilidade, raiva e represálias, muitas vezes colocados à margem da equipa e emocionalmente exaustos.
Para o mundo exterior, Diana continua a ser uma referência moral. Foi recentemente homenageada com uma medalha de mérito municipal pelo seu trabalho voluntário. Quando confrontada sobre a tensão em casa, atribui o desgaste à inveja do sucesso e à incapacidade dos outros lidarem com a intensidade do seu amor.
Este caso ilustra a complexidade do narcisismo patológico levantando questões importantes sobre a discrepância entre imagem pública e comportamento privado, bem como os impactos invisíveis nas vítimas mais próximas.
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